Câmeras GoPro foram instaladas ao lado dos músicos e nos corpos dos técnicos da turnê Chão, de Lenine. A ideia, totalmente despretensiosa – e nada inédita, diga-se – era registrar o fazer daquele espetáculo que se construiu sobre uma paleta de sutilezas entre canção, ruídos e sons cotidianos. O flerte com a música concreta, a quadrifonia – algo raro em shows no Brasil – a direção de arte de Paulo Pederneiras, os samplers e remixes ao vivo tornaram o material algo um tanto mais interessante do que uma simples gravação. Daí a ideia de disponibilizar, gratuitamente, o espetáculo completo na plataforma Youtube.

Assim como  o disco Chão – que ganhou novos caminhos depois da captação acidental do canto de um passarinho – os vídeos da turnê iluminam o que poderia ser imperceptível até mesmo para quem estava nas coxias. A visão  do roadie no momento da troca de instrumentos; o brilho da cravelha sob a luz da cena, o suor do artista, o detalhe da operação das mesas de sons, o clique no botão e o efeito – imediato ou não. As sobreposições de sons e imagens. Tudo em momentos distintos da turnê, com acústicas e caixas cênicas diferentes.

Composto por 22 faixas, que serão disponibilizadas uma a uma a partir do dia 13 de março, e posteriormente como “playlist”, “Chão ao vivo” mostra a passagem do tempo (a turnê durou dois anos e nove meses), a mudança física dos artistas em 130 apresentações em 80 cidades diferentes no Brasil e do mundo.

Ao todo, foram apenas quatro câmeras GoPro, duas no modelo “silver” e as outras duas no modelo “black”, com mais qualidade. A captação de áudio foi realizada em dois shows ao vivo. O projeto foi idealizado por Bruno Giorgi, co-produtor do show e do disco Chão, e a edição ficou a cargo de Flora Pimentel. As câmeras foram instaladas acima de Bruno, JR Tostoi, ao lado de Lenine, nos técnicos de som e no peito dos roadies.

 

O SOM

Em 2012, Lenine reuniu sua equipe num galpão com a proposta de criar um show que proporcionasse ao público uma “experiência sensorial”. A ideia era adaptar o surround – tão bem empregado nos cinemas – para que as pessoas tivessem a sensação de que alguém estaria caminhando ao redor, ou que uma árvore enorme estava despencando, entre outras “sensações” do repertório de Chão.

Já era sabido, também, que JR Tostoi e Bruno Giorgi seriam os únicos músicos em cena com Lenine, se alternando em funções percussivas, harmônicas e melódicas, sampleando e remixando ao vivo os sons gravados na hora ou pré gravados nas MPCs. Na estrada, as variáveis começaram a mudar. “A cada dia o desafio era recriar o show” – conta o engenheiro de som Henrique Vilhena.

A complexa equação transformou Chão num verdadeiro laboratório. No início da turnê, alguns teatros foram preteridos, pelo receio de não haver o mesmo efeito – e, também, pelo projeto ter sido considerado um tanto conceitual. Mas, com o domínio da técnica e a resposta do público, o espetáculo passou a ser apresentado até mesmo em espaços abertos. No Rock in Rio, foi considerado “a porção de verdadeira ousadia” do palco Sunset.

O conjunto de vídeos mostra um pouco da mágica desse espetáculo e explica por que Lenine considerou Chão o seu disco “mais rock’n roll”.

Curiosidades:

  • Chão tinha samplers (sons prés gravados) gravados nas MPCs, nos laptops usados com protools e live. A diferença entre eles é que os samplers das MPC’s e do Live eram tocados pelos músicos durante a apresentação;
  • Em alguns outros momentos os samplers eram gravados na hora do show usando um pedal de guitarra o DL4. A voz e o violão do Lenine foram usados desta forma;
  • O andar na brita, a chaleira, a serra eléctrica, as cigarras, os subgraves fortes, o metrônomo, os backing vocals do Lenine e o passarinho são exemplos de samplers usados no Protools;
  • As MPC’s tinham sons percussivos e melódicos, os berimbaus, as frases “isso é só o começo”, alguns acordes de piano e percussões graves com melodias també As MPCs eram tocadas no momento do show com samplers de pequena duração;
  • O Live tinha a máquina de lavar, o passarinho que teve seu canto sampleado e transformado em várias notas, os backing vocals do Lenine, com samplers que formavam loops ou eram tocados. Bruno tocava o live e ia alternando os momentosde entrada de cada som. Em “Isso é só o começo” os sons eram somados, e iam se sobrepondo durante a música;
  • O desafio de fazer surround em vários lugares diferentes era achar a melhor posição das caixas. A equipe procurava sempre usar um número grande de caixas para distribuir bem o som e não comprometer a audição de alguma parte da platéia. Tecnicamente, o número de caixas permite que elas estejam em um volume reduzido, fazendo apenas a cobertura sonora do espaço próximo a elas, desta forma os  espectadores podem entender cada efeito e captar a idéia artística do show sem que seja necessário um volume alto para tal. Ou seja: o número de caixas está diretamente relacionado a uma redução do volume e não a um aumento dele;
  • De 130 apresentações de Chão, em apenas duas não foi possível ter o efeito surround.

Chão ao vivo

Gravado durante a turnê “Chão”, entre 2011 e 2014

 

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